quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Anatomia de um vencido

Os dentes gastos
os olhos fartos
a epiderme rígida e suja

o  eu,
e o estômago cheio de borboletas mortas

os poros entupidos
com a solidez dos fungos
oferecem aos homens o material trágico
composto de um líquido ácido
e perecível

Hoje, carrego em mim células mortas
e na velhice da alma
crio substâncias que alimentam a dor medonha
dessa doença mórbida

Tomo por vencido
este pequeno lapso

Entrego-lhes pelo vômito
os restos mortais das borboletas
que nunca sofreram a cólera da liberdade
nem mesmo a metamorfose da matéria.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Procuro incessantemente um vestígio
Um objeto imaculado calcado ao canto da sala
Um feixe

Procuro no esquecido
lembranças
No estático
percurso

Procuro o aroma não notado
Aquela velha flor seca na bíblia dos nossos passados

Procuro o embaraço
o esquecido mofo
A alma dos objetos inacabados

Procuro o buraco estéril da matéria
Que anuncia a fantasia escura
Que suborna o meu canto inquietante
Antes do suborno da vida

Perco o curso
Do que procuro
e não curo esta alma
de couro bruto

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Ode hedionda


Estranhamente o sublime me apavora
Experimento o desprazer como potência
à dor que me aflora

Do gozo enfático
que por ora,
busca a forma volúpia de uma lógica
Amanhece com polução de um sonho apático
E um desejo coercível de ser bicho transubstanciado

- E na contração do sublime
Pequenos espasmos -

Narciso provoca e convulsiona a alma
É o desejo,
que destruído pela natureza mórbida
Cessa a contração dos impulsos surdos
Desta posteridade odiosa.

Em meu universo árido
Desperto a matéria grotesca
Uma áurea luz entardecida blasfema o meu dia
E em soluços
Seco ao fundo a minha lira

Extraio até a borda tudo o que em mim havia trago
Cujo ventrículo não havia filtrado.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Para além do subcutâneo
Ecôo frases sintomáticas
Revisito traumas.

- Recuo -
- Impulso -

Fere-me as cavidades dos dedos.
Para além do subterrâneo,
E pela ânsia,
cavo uma busca pelo desconforto
Pela náusea íntima
Numa transfiguração do morto.

Ainda que nebuloso
Permito-me à entrega no imaginário
Entre esferas
Encontro-me perante minhas próprias feras

Fora de qualquer zona de conforto
Nem um extremo nem outro
Ainda sinto medo.

Na epiderme: abscesso cutâneo
Infecciono-me com minhas fantasias
Ainda habito inúteis paradigmas


Tecido pela linguagem
Violo e hominizo minha natureza através dos sonhos
Cuja metáfora penetra todas as zonas
Deste corpo pulsional

Em chamas. 

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Eu procuro um poema livre
Que não seja carregado de bons modos
De frases que emocionam

Eu procuro um poema
Que não fale de amor banal
Cansei desses amores
Sério.

Eu procuro um poema sádico
Que me faça sofrer
Que me desconforte

Eu procuro um poema
Que não fale dos campos belos
E nem mesmo da verdade

Eu procuro um poema de asas
Um poema que se esquece da lua
E até mesmo da pessoa amada.

Eu procuro,
Incansavelmente eu busco,
Uma poesia sem rumo
Perdida entre as linhas

Eu procuro um poema não-dito
Sem razão
Eu procuro a dor da palavra que fere

Eu procuro o poema-culpa
Composto de traumas
E que no desespero da angústia
Come todas as palavras.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

A palavra me cansa.
Hoje mesmo estou esgotado.

A palavra me desconforta
Me faz desajustado.

A palavra me seca
Me corta em pedaços.

Destes pedaços
Eu me vazo
Me derramo como um liquido rarefeito
Que nem ao menos se alinham
Ao que chamo de margem.

Já nem sei mais se tenho margem.
E, se por um acaso, tenho uma forma
Quero mais é que se extrapola.

Quero o descomposto da linguagem.

terça-feira, 22 de julho de 2014

O que eu quero está além do inferno, do purgatório, do reino dos céus.
O que desejo não me cabe,
E por isso
Me sobram esses excessos.

Não quero cálculos, nem fatos.
Não me venham com este dedo apontado.
Não. Não quero saber das suas comunhões, ou do que é certo e errado.

Não me tragam este formato podre
Medíocre e confortável.

Dos desajustados só restaram
Os restos das raízes podres,
Abandonadas, porque são apenas matéria inanimada.

O subjetivismo e o estado abstrato da matéria
Nos revela uma natureza caótica, porém bela.

Nos revela o homem farsante
Que tenta sobreviver com esta sede de se proteger.
Nos revela um homem que sofre
Que experimenta a dor de todos os dias ser anulado.
Como um infante domesticado.

Aos malditos e deformados
Crescem asas para os devaneios.
E garras, para cavar essa essência febril
De leve manuseio.