quarta-feira, 12 de abril de 2017

Das Ding

No espelho
ruídos arranjam desarmônica sinfonia

cacofonias cínicas
clínicas

tenho em mim a transformação de Narciso 
à sombra de folhas lobuladas do carvalho

ruínas

tenho em mim uma linguagem envelhecida
e o corpo ancorado em reminiscências
sempre à deriva

tenho sussurros
anjos sátiros que gotejam ácido 

abstenho-me do silêncio
e do nu alado

tenho apenas a cabeça problemática
e os olhos gritando a ansiedade da alma

é o grande Outro
manifesto em náusea
que me olha
que me torna sujeito composto 

Matéria e gozo
do embrião civilizado

interposto.

David





quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Naufrágio

No suor da angústia
acalmo a pele ardida com água doce
deixo em chama somente os olhos
adormecidos em sal
na madeira podre

Sabe-se pouco desta barca
que investiga lucidez
em uma alma austera

engolindo tudo dentro
a barca trêmula
resiste à erosão do tempo

Do absurdo aflito deste equilíbrio
suaviza a precisão
num berro aflito

e num duro golpe
tonifica a liberdade
liberta a fúria
oferecendo alma à correnteza delirada

e eu,
com o corpo arqueado
retiro da barca uma a uma

sofrendo com o peso nos braços
lentamente passo a diluir fado

todas as memórias ardem
no brado emocionante
do naufrágio

ecoando o existir
neste corpo alado

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Nem mesmo a ignorante melancolia poderia salvá-lo
teu corpo dilatado o destruía
nem mesmo os pequenos fragmentos tristes poderiam comprimir a energia.

como num caso de amor pequeno
tudo era grandioso
todo desgaste era alimento, ainda que resto e tortuoso.

todo amor era sedento e banal
todo excesso
clichê
e virtuoso

toda voz rouca era grito
todo desejo
marginal
toda pele em flor era suspiro

talvez já estivesse cansado
culpava a desajustada alma
encarcerada na profundidade árida

ele drenava o caos em ritmos desarmônicos
na tentativa vã de violentar anjos
desalinhando-se do ninho
efêmera substância o tornava humano

na alegoria do louco
tua epidérmica febril alma
transformava-se em uma atmosfera pulsante

turva  e redundante.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Cerrar a janela antirruído
e ao passo de um leve toque
encobrir a alvura com uma velha cortina
de tecido puído.

Há poeira por todo o lado
e toda secura esgota
esta epifânica
e sólida alma
salgada

Limito-me à epiderme gástrica
cujo sal e lágrimas
incorporam interjeições sintomáticas

Há coisa não esvaziada
e no gozo da cólera
impera esta trágica sonata

Ao roçar esta lira áspera
extraio da matéria bruta
o gemido rouco

E ao desvirginar trágico barroco
suspiro ao recuar fôlego.

Os meus olhos fundos
na transubstanciação dos instintos fúnebres
ainda cantam o imperativo gozo

e no ofício agônico
amenizo dores,
mergulho,
em sentido atônito,
da semântica emocional à literalização do corpo

Ainda regulo orgânico sufoco
e me condeno à lama simbiótica
do meu refluxo esporro


domingo, 11 de janeiro de 2015

A imperiosidade dos fatos
A falência deste corpo estranho
E as novas formas que violentam a culpa
Alimentam esta náusea

Esta faminta veracidade
Que crava seus dentes rançosos
Na mais fina camada de sensibilidade
Estupra incansavelmente a demência deste corpo alado

Pudera eu não engordurar sonhos
Não ser gente
E não estar entre dois lados

Hoje sou tantos
Instantes
Distantes
Tato.

Sou fato
Paixão
Ódio
Repulsa e olfato.

Sou carne e o abstrato;
O trato
de um acordo desarranjado.

Sou desejo.
Asco.

A fúria púrpura
de nervos imediatos

Sou culpa
Em meio ao caos da imortalidade dos sonhos
Desta fantasia chamada vida
Que fere este espírito débil e desfocado.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Estranho. Pulsão. Expulsão.
Estranho. Medo. Grito. Tapa.
Estranho. Conforto. Silêncio.

Estranho. Fome. Grito.
Estranho. Sensação. Saciamento.
Estranho. Prazer. Conforto.

Estranho. Fome. Estranho. Fome.
Estranho. Não. Desconforto.
Estranho. Pulsão. Inquietação. Fome.

Estranho. Educação. Fome.
Educação. Choro. Fome.
Estranho. Estranho. Resignação.
Educação. Estranho. Neurose. Educação.

Estranho. Fome. Silêncio.
Saciamento. Fome. Saciedade.

Educação. Raiva. Educação.
Educação. Paz. Educação.

Estranho. Solidão. Gozo.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Entrelaçado pelo tempo
Corpo
Físico
Na (im) possibilidade do espírito

Contempla-me as luzes amarelas
ofuscadas pelo vidro convexo da janela

Abafado pela atmosfera quente
Das paredes velhas
A epiderme latejante
e poética

Continuo a cantar essa natureza impalpável
entre o pensamento e a matéria

transmito a não substância
a passagem
do entre sem ventre
a não-razão
desse compromisso covarde
e a famosa transformação
de uma ilusão singela

Minha tentativa de compensação
É ver o cheiro
Sentir a vista

E morrer pelo espelho da janela